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sábado, 9 de janeiro de 2010
AR DE NOTURNO
Ar de noturno
Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
Pus em ti colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho ?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
O que é isso que soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
O que é isso que soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
Vladimir Mayakovsky
VENS DE NOITE NO SONHO
Vens de noite no sonho
Vens de noite no sonho
sem pés
entre páginas
de gasta paciência
quando a música findou
e teu sorriso se desfez
como um grão de pólen.
Vens no veneno oculto
de meus dias
no silêncio
dos meus ossos
devagar
arrastando em queda
o nosso mundo.
Vens no espectro
da angústia
na escrita
inquieta
destes versos
no luto maternal
que me devolve a ti.
A escuridão desce então
sobre o meu corpo
quando o rosto da morte
adormece na almofada.
Ana Marques Gastão
Nocturnos
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
QUEM SOU...
Sou um silêncio que fala
um pensamento que voa
um soluço que cala
e uma canção que destoa...
Ninguém me chama,
ninguém me reclama,
ninguém me ama
e eu não tenho ninguém...
Vou passando, eco perdido,
rumo ao desconhecido,
ponto colorido
que fica muito além.
Quem sou?... Quem sou?...
Ah! Coitada de mim!...
Meu nome não sei,
não sei de onde vim
nem para onde vou...
Talvez eu seja um sonho,
um sonho que alguém sonhou,
alguém que se esqueceu de mim
quando acordou!
Zoraida Hostermann Guimarães
em 'Ainda há sol atrás da montanha'
A CARTA
A CARTA
Num momento de sonho
depositei minha carta escrita
sobre o tapete da esperança.
Pobre carta!... Jaz ao abandono!
Foi lida, relida pelo dono?
Palavras!...
Palavras sem som,
mágoas sem lágrimas
de poço sem águas;
linguagem incompreendida,
canto sem tons iguais...
A vida é isto - nada mais!...
Carta escrita e remetida
ao endereço errado...
- talvez o dono da missiva
nunca seja encontrado.
Zoraida Hostermann Guimarães
em 'Ainda há sol atrás da montanha'
HOJE
Hoje,
pendurei no cabide do tempo
as ilusões
que a vida enferrujou...
Além deste muro de descrença
deve haver novos caminhos.
Para lá
seguem os meus passos;
passos de quem segue só.
Já não levo flores
nem verde de esperança
no regaço.
Adivinho segredos na voz do vento
e me sinto menos abandonada.
Será inútil a caminhada
e esta vida, que não foi fútil
será desperdiçada?
Meus passos continuarão;
é longa a estrada:
o que serei, não sei
e do que fui,
hoje não sou nada.
Zoraida Hostermann Guimarães
em 'Ainda há sol atrás da montanha'
CONFISSÃO
CONFISSÃO
Minha vida não comporta tua ausência
Em descompasso, trôpego, caminho
Como um doido a blasfemar com eloquência
Descontrolado, bêbado, sozinho.
Minhas mãos, que não suportam o vazio
Nem a leveza, límpida, do vento,
Sem as tuas entre as minhas é baldio
Qualquer esforço, máximo, que tento.
Meu coração não pulsa sem teu sangue
E meus olhos se apagam com frequência
E me dissolvo, mínimo, exangue.
Minha vida não comporta tua ausência.
(José Magno)
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
ESPERA
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
domingo, 3 de janeiro de 2010
Poema para Iludir a Vida
.
Tudo na vida está em esquecer o dia que passa.
Não importa que hoje seja qualquer coisa triste,
um cedro, areias, raízes,
ou asa de anjo
caída num paul.
O navio que passou além da barra
já não lembra a barra.
Tu o olhas nas estranhas águas que ele há-de sulcar
e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos
[portos.
Hoje corre-te um rio dos olhos
e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje
[o fim
e que há certezas, firmes e belas,
que nem os olhos vesgos
podem negar.
Hoje é o dia de amanhã.
Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"
Noite Apressada
Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.
Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!
David Mourão-Ferreira, in "À Guitarra e à Viola"
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